segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

SANTIDADE NO VIVER

“Portanto, quer comais, quer bebais, ou façais outra cousa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus”

(I Co.10:31).

Um dos maiores empecilhos à paz interior, que o crente encontra em sua carreira cristã, é o hábito bastante comum de dividirmos nossa vida em duas áreas, a sagrada e a secular. Se aceitarmos que essas áreas existem à parte uma da outra, e que são moral e espiritualmente incompatíveis, e se, a despeito disso, somos obrigados, pelas necessidades da própria existência, a cruzarmos e entrecruzarmos constantemente uma área com a outra, nossa unidade interior tende a se desfazer, e passamos a ter uma vida dividida, em lugar de uma vida unificada.

Esse problema se origina do fato de que nós, que seguimos a Cristo, habitamos em dois mundos ao mesmo tempo, o espiritual e o natural. Na qualidade de filhos de Adão, vivemos na terra sujeitos às limitações da carne e às fraquezas e males herdados pela natureza humana. O simples fato de viver entre os homens requer de nós anos de trabalho árduo, e muitos cuidados e atenções para com as coisas deste mundo. Em violento contraste com isso temos a vida do espírito. Ali desfrutamos de outra espécie de vida, uma vida superior; somos filhos de Deus; temos uma posição celestial e usufruímos de comunhão íntima com Cristo.

Isso tende a dividir toda a nossa existência em duas dimensões. Inconscientemente passamos a reconhecer duas modalidades de procedimento. A primeira, nós assumimos num certo sentimento de satisfação e a firmeza de que é agradável a Deus. Trata-se do nosso comportamento religioso e geralmente associamos a ele a oração, a leitura da Bíblia, o cântico de hinos, a freqüência à igreja e outros atos semelhantes, diretamente originados da fé. Estas ações e atitudes podem ser conhecidas por não terem relação direta com este mundo, em si mesmas, e, não fariam sentido, não fosse a fé nos revelar a existência de um outro mundo – “um edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus” (II Co.5:1).

Em contraposição a essa atitude religiosa está o nosso comportamento diante das ações seculares. Elas abrangem todas as atividades comuns da vida, das quais participamos juntamente com todos: comer, dormir, trabalhar, cuidar das necessidades do corpo e realizar todas as rotineiras e triviais responsabilidades terrenas. Geralmente é com relutância que nos ocupamos delas, e com muitas apreensões, quase sempre desculpando-nos diante de Deus por aquilo que consideramos um desperdício de tempo e energias. O resultado disso é que nos sentimos intranqüilos a maior parte do tempo. Atiramo-nos às nossas tarefas diárias com um sentimento de profunda frustração, afirmando a nós mesmos, intimamente, que chegará um dia, quando deixaremos para trás essa casca terrena e não mais nos incomodaremos com as questões deste mundo.

Essa é a antiqüíssima antítese sacro-secular. A maioria dos crentes se embaraça nela. Não conseguem um ajustamento satisfatório entre as reivindicações opostas desses dois mundos. Procuram se equilibrar nessa corda bamba, e não acham paz nem em um, nem em outro. Suas forças ficam então reduzidas, sua perspectiva, confusa, e toda a alegria lhes é arrebatada.

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A exortação de Paulo, no sentido de que tudo façamos para a “glória de Deus” (I Co.10:31), não é apenas idealismo religioso. É parte integrante da revelação de Deus ao homem, e precisa ser aceita como sendo a Palavra da verdade. Abre-se diante de nós a possibilidade de que todas as nossas ações sejam para a glória de Deus. A fim de que não tivéssemos dúvidas em aplicar essa verdade a todas as coisas, Paulo menciona especificamente o comer e o beber. Esse pequeno privilégio nós partilhamos com os animais irracionais, que não são eternos. Se até as humildes ações instintivas dos animais podem ser realizadas de maneira a honrar a Deus, então é difícil imaginar uma atividade humana que não possa ser executada desta forma.

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O Novo Testamento aceita como realidade o fato de que Jesus Cristo, quando se encarnou, tomou para si um corpo humano de verdade, e não procura rodeios para evitar as francas implicações desse fato. Cristo viveu nesse corpo, entre os homens, nesta terra, e, no entanto, jamais cometeu uma ação impura. Sua presença, em carne humana, dissipa de uma vez por todas a noção falsa de que existe algo na própria natureza do corpo humano que seja ofensivo à divindade. Foi Deus quem criou o nosso corpo, e não estamos ofendendo a Ele quando reconhecemos sua responsabilidade nessa criação. Deus não se envergonha das obras de suas próprias mãos.

A corrupção, o desregramento e o uso indiscriminado dos nossos instintos humanos – isto é o que deveria fazer-nos envergonhados, e muito. As ações praticadas pelo corpo, quando realizadas em pecado e contrárias à natureza, jamais poderão honrar a Deus. Sempre que a nossa vontade introduzir em nossos instintos alguma perversão moral, eles deixarão de ser naturais e puros, como Deus os criou; em vez disso serão apetites desenfreados e imorais, que nunca podem redundar em glória para o seu criador.

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Só podemos enfrentar essa situação com êxito se exercitarmos uma fé robusta. Precisamos oferecer todas as nossas ações a Deus, confiando que Ele as aceita. Mas, em seguida, é necessário permanecer firme nessa posição e continuar reconhecendo que cada um dos nossos atos, em todos os instantes, deve ser vinculado à entrega que fizemos. Reiteremos perante o Senhor, constantemente, o nosso voto de fazer tudo para sua glória e, durante o dia, em meio às tarefas diárias, elevamos nosso pensamento a Deus em oração, várias vezes. Coloquemos em prática o princípio de fazer de todo trabalho nosso um sacerdócio. Creiamos que Deus toma parte até nas situações mais insignificantes da nossa vida, e aprendamos a reconhecer nelas a sua presença.

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Paulo deu o grito de liberdade, e declarou limpos todos os alimentos, santos todos os dias, sagrados todos os lugares e aceitáveis a Deus todas as ações corretas. A santificação de certos dias e lugares, embora necessária para instruir o povo, era uma noção muito vaga da santidade de Deus e desapareceu diante da plenitude da adoração prestada em espírito.

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Não significa, por exemplo, que tudo que fazemos tem a mesma importância. Um ato realizado por um crente pode ser bastante diferente dos outros, em importância. A atividade do apóstolo Paulo como fabricante de tendas, não teve a mesma importância que o seu trabalho de escrever a epístola aos romanos, por exemplo; mas ambas as coisas foram aceitas pelo Senhor, e ambas foram atos de adoração. Certamente é muito mais importante conduzir uma alma a Cristo do que cuidar de um jardim. Mas o preparo de um jardim pode ser um trabalho tão santo quanto o ato de conquistar uma alma para o Salvador.

Ele não significa também que todos os indivíduos sejam igualmente úteis. Os dons que operam no corpo de Cristo, que é a Igreja, variam muito. Um pregador qualquer não pode ser comparado com Lutero ou com um Wesley, no que toca à sua utilidade individual para a Igreja e o mundo; entretanto, o trabalho do irmão menos dotado é tão santo quanto o do irmão mais abençoado, e Deus aceita a ambos com igual prazer.

Um leigo não deve jamais imaginar que a sua tarefa humilde seja inferior ao trabalho de um ministro evangélico. Se ele permanecer na vocação em que foi chamado, o seu trabalho será tão santo quanto a obra de um ministro do evangelho. Não é o que o homem faz o que determina se sua obra é sagrada ou secular, mas o fator determinante é o seu motivo. O motivo é tudo. Depois que o crente santificar o Senhor em seu coração, daí por diante não fará mais nada como antes. Tudo quanto fizer será bom e aceitável a Deus, por intermédio de Jesus Cristo. Para um crente assim, a própria existência é um sacramento, e o mundo inteiro, um santuário. Sua vida, em todos os aspectos, será um sacerdócio. Ao executar suas tarefas, que nunca são fáceis, ouvirá vozes de serafins, que exclamam: “Santo, Santo, Santo é o Senhor dos exércitos; toda a terra está cheia da sua glória” (Is.6:3).

(TOZER. A.W. À procura de Deus. MG: Ed. Betânia, p.88-96)

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